
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
terça-feira, 23 de novembro de 2010
terça-feira, 26 de outubro de 2010
A Origem do Fado de Manuel Alegre
A origem do fado não importa
Ele é a própria origem ou talvez
D. Pedro coroando Inês já morta
Ou a história escondida atrás da porta
Onde se aninha o medo português
Não procures a origem: ele é a origem
Antes do antes e antes do começo
Como oiro no avesso da fuligem
Ou Lisboa e Pessoa e aquele verso
Onde os sentidos sentem o que fingem
Não procures na história: ele está fora
E estando fora ele é o próprio centro
A hora antes da hora e aquela hora
Onde o dentro está fora e o fora dentro
Do momento que passa e se demora
Não busques noutro lado: ele é aqui
E sendo aqui é sempre o outro lado
O presente e o passado e o nunca achado
País que é e não é dentro de ti
Onde tudo começa e tudo é fado
segunda-feira, 10 de maio de 2010
"A morte da Mariquinhas"
*
Sem amigos e sem pão
Lá morreu a Mariquinhas
Dizem que foi no caixão
Feito só com tabuínhas
Num quarto escuro, fechado
Sem cortinas nas janelas
Em noite negra sem estrelas
Sem guitarras e sem fado
Num silêncio bem magoado
Há choros no Capelão
E um ou outro coração
Já recorda cheio de dôr
A que morreu sem amor
Sem amigos e sem pão
De todo o lado veio gente
Que se aperta e se atropela
Pois toda a gente quer vê-la
De rosto frio e ausente
Mas com ela, isso é diferente
Não se riam as vizinhas!
Altiva como as raínhas
Lenços e fitas agarra
E abraçada a uma guitarra
Lá morreu a Mariquinhas
Deixou escrito em testamento
Lido de alto p'las vizinhas
Que a guitarra e as tabuínhas
Seu espólio de momento
Queria este seguimento:
A guitarra ali á mão
E as tábuas no coração
Coisa um bocado bizarra
Mas o certo é que a guitarra
Dizem que foi no caixão
E chegou a madrugada
Com toda a gente na rua
Havia uns restos de lua
E de noite mal passada
Mas foi data assinalada!
Pois qual bando de andorinhas
As colegas e as vizinhas
Com o luto no coração
Transportavam o caixão
Feito só com tabuínhas
quarta-feira, 14 de abril de 2010
"Sou Tua"
Letra: Domingos Gonçalves
Música: Casimiro Ramos
*
Reneguei tuas promessas
E juras de amor ardente
Até com certo rancor
Disse-te assim, não sou dessas
Que se embalam cegamente
Em juramentos de amor
Meu Deus, como a boca mente
Pois se te amo loucamente
Eu digo seja a quem fôr
Sou tua...
Como o luar é da lua
Como as pedras são da rua,
E p'ra ser tua nasci
Sou tua...
Tão tua que me convenço
Que já nem a mim pertenço,
Que sou um pouco de ti
Sou tua...
Deixa-me gritar ao vento
P'ra que o vento num lamento,
Diga ao mar, á terra, ao céu
Sou tua...
E deixa que os olhos meus
Só vejam p'ra ver os teus,
Embora não sejas meu
Ás vezes sinto desejo
De ofender-te, embora iluda
Meu coração a sofrer
Mas fico, quando te vejo
Tão pequenina, tão muda
Com tanto p'ra te dizer
É então que a minha boca
Porta voz desta alma louca
Murmura quase sem querer
sexta-feira, 19 de março de 2010
"Alfabeto fadista"
"Diz-se que os gostos são relativos, assim como se diz também que há egos humanos a auto considerar-se entes superiores. Sobre este complexo sujeito escrevi esta singela quadra em redondilha-maior:
Uma pedra, uma flor,
o mais pequeno ser vivo,
um pedacinho de amor,...
tudo-tudo é relativo.
Vem este enunciado a propósito do versejo de minha autoria que a Susana teve a amabilidade de transcrever (agradeço) e que o Carlos do Carmo lançou em Fado com música de Paulo de Carvalho.
Então, embora concordasse por escrito com as várias modificações introduzidas, eu escrevi assim o «Alfabeto Fadista»:
A de amor, B de beleza,
e C curvo de criança,
D de Deus ou de defesa
que com E escreve esperança.
O F vai para o fado,
o G vai para a guitarra,
H pra homem honrado
Que ao I de ilusão se agarra.
As letras são vinte e três
Palavras são vinte e tal
Alfabeto português
Dum fadista em Portugal
No J fica a janela,
no L fica Lisboa,
M de mulher, é ela,
N a meio da canoa.
O de olhar que me fascina,
P de porta sempre aberta,
Q de quadra, R de rima,
Com saudade o S acerta
T de terra, U de universo,
Onde uma, noutro desanda,
V de viola ou de verso,
X de xaile, Z de zanga.
As letras são vinte e três,
palavras são vinte e tal,
alfabeto português,
dum fadiista em Portugal.
Enfim, eu considero que o Carlos, com o seu gosto e boa intenção, acabou por estragar um pouco a essência do meu versejo.
No caso, numa e noutra versão, a Susana qual delas aprecia mais?
Cumprimentos desde o Porto - TdG"
Está dito e escrito ! Obrigada meu querido Torre da Guia
sábado, 27 de fevereiro de 2010
"Povo"
*
Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!
Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia...
Mas a tua vida, não!
Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão...
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!
Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços...
Mas a tua vida, não!
Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama...
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las...
Mas a tua vida, não!
Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio...
Vi certa curva em teu seio...
Mas a tua vida, não!
Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão...
Povo! Povo! eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida, não!
Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado,
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

sábado, 23 de janeiro de 2010
No teu poema
No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida,
Um corpo que respira, um céu aberto,
Janela debruçada para a vida
No teu poema
Existe a dor calada lá no fundo,
O passo da coragem em casa escura
E aberta, uma varanda para o mundo
Existe a noite,
O riso e a voz refeita à luz do dia,
A festa da Senhora da Agonia
E o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria
Existe um rio,
A sina de quem nasce fraco ou forte,
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste,
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha,
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha
No teu poema
Existe um cantochão alentejano,
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
Existe um rio
O canto em vozes juntas, vozes certas
Canção de uma só letra
E um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte,
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste,
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro,
Existe tudo o mais que ainda me escapa
E um verso em branco à espera de futuro

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
"Longa caminhada"
Cheguei ao meio da vida
Desta longa caminhada;
Estou cansada, não vencida
Se respiro, tenho vida
Não posso ficar calada
Trago um recado, um poema
Para se ouvir entre nós
Do fundo do coração
É dado por minha mão
Cantado por minha voz
Peço mais amor e paz
Para bem da humanidade
Mais carinho, mais calor
Mais ternura, mais amor
Mais luta pela verdade
Cheguei ao meio da vida
Desta longa caminhada
Estou cansada, não vencida
Se respiro, tenho vida
Não quero ficar calada

